Como funciona a terapia online e quais são as diferenças com a terapia tradicional de consultório? — Pt. 1/2
Introdução
A psicoterapia online já é realidade há muitos anos, mesmo antes da pandemia. Essa modalidade de atendimento acontece mais frequentemente fora do Brasil, onde a tradição da psicoterapia é menos enrijecida. Quero deixar claro que não utilizarei uma das falácias mais frequentes nos tempos modernos — a famosa falácia do apelo à autoridade —, pois o objetivo aqui é apresentar dados de literatura científica sobre esse tipo de atendimento.
A terapia online já acontece desde 1995 (Rainie & Packel, 2001), sendo que os primeiros estudos sobre o tratamento online foram publicados em 1998 em diante (Cohen, 1998; Day & Schneider, 2000). Esses primeiros estudos já encontraram números positivos sobre terapia em casos de ansiedade, estresse pós-traumático, transtorno alimentar e transtorno de pânico. A maioria desses estudos focaram em formato individual, e o primeiro estudo sobre terapia de grupo online, através de salas de bate-papo, foi publicada em 2000 (Barak & Wander-Scharwartz, 2000).
A variável mais importante: vínculo
Ao longo dos anos 90, houve uma série de estudos que debatiam sobre os principais mecanismos da terapia em geral, analisando, também, as suas vantagens e desvantagens. Uma característica que se destacou, na maioria das pesquisas clínicas, é o vínculo terapêutico (Horvath & Symonds, 1991). É apontado como o principal fator para a mudança comportamental no processo terapêutico.
Horvath e Symonds (1991) realizou uma meta-análise sobre 24 estudos sobre a qualidade do vínculo terapêutico e a alta. Mesmo havendo diferenças sobre o tipo de tratamento, linhas teóricas e outras características, os autores fizeram um estudo de correlação de Pearson, encontrando r=0,26, o que sugere uma pequena-moderada associação entre vínculo e alta. Lambert (1992), um dos principais pesquisadores sobre psicoterapia, conduziu diversos estudos sobre as variáveis relevantes que o terapeutas acreditam ter sido importante para a alta do paciente. Considerando todas as variáveis, o vínculo foi a resposta que mais se destacou.
Na pesquisa clínica, o vínculo pode ser observado na perspectiva do cliente, terapeuta e outros observadores, mas as pesquisas enfatizam que a percepção do cliente é a mais relevante e com maiores correlações entre vínculo e alta (Horvath & Symonds, 1991; Tichenor & Hill, 1989; Hatcher & Barends, 1995). Outra pesquisa importante sobre vínculo é que terapeutas mais experientes possuem uma maior facilidade na habilidade de construir vínculos (Dunkle, 1996).
Se a variável vínculo for a mais relevante, então talvez seja possível realizar o atendimento online sem prejuízo do vínculo. Cook e Doyle (2002) conduziram um estudo sobre as diferenças, no aspecto do vínculo, entre terapia online e presencial. Aplicaram um inventário denominado WAI (Working Alliance Inventory) em uma amostra de terapeutas/clientes online e outra amostra presencial. Não foram encontradas diferenças no vínculo entre os grupos quando se trata de vínculo, de modalidade da comunicação, de tipos de queixas e outros. Esse estudo foi considerado como um estudo preliminar devido ao tamanho da amostra.
Sobre eficiência e alguns diagnósticos
Após esse estudo de Cook e Doyle (2012), inúmeros artigos foram publicados sobre o mesmo tema. Em 2016, Machado et al publicou um estudo de revisão sistemática a respeito da psicoterapia online e as suas principais características e modalidades. Dentro dos critérios estabelecidos, tiveram 52 artigos selecionados, sendo 50 da abordagem terapia cognitiva comportamental. Outro dado interessante é que, como critério de inclusão, a terapia deveria, na sua totalidade, ser totalmente online. Os países que publicaram eram Austrália, Suécia, EUA, Alemanha, Canadá, Holanda, Inglaterra, Suíça, Noruega e Espanha. Os diagnósticos do estudo eram estresse pós-traumático, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, ansiedade social e depressão maior. Os resultados sugerem que a psicoterapia online tem resultados similares com a terapia de consultório, em modo geral. A psicoterapia online tem a vantagem quando se trata de viabilidade, pois as formas de comunicação são diversas, quando se trata da modalidade online.
Em um novo estudo recente, Andrews e Basu (2018) conduziram uma meta-análise que avalia se a terapia online é efetiva para casos de depressão maior, pânico, ansiedade social e ansiedade generalizada. Os resultados apontaram que os 64 estudos selecionados foram eficazes para os quatros diagnósticos. A conclusão do estudo é q a terapia cognitiva e comportamental online é sustentada para esses tipos de casos são efetivos e aceitáveis.
Outros estudos (Nordgren & Hedman, 2014; Wagner & Horn, 2013) tiveram resultados sobre a eficácia da terapia online na linha da terapia cognitiva e comportamental nos atendimentos online.
O objetivo até aqui, é que o leitor possa ver as evidências científicas sobre as diferenças com os atendimentos online e, sim, pode ficar tranquilo. É tão eficaz quanto presencial para a maioria dos casos.
No meio da semana, farei a publicação da parte 2 do texto! Aguardem, pois mostrarei como fazemos o acompanhamento de um caso clínico e divulgarei as referências utilizadas!
Aguardem…